Estamos em janeiro de 2025, mês de publicação do presente artigo. E o assunto dominante no noticiário é se Fernanda Torres ganhará o Oscar.
Daqui a algumas semanas ou meses este cenário poderá estar mais claro. Ou, até mesmo, o assunto pode estar superado.
Vencendo ou não, Fernanda Torres não será a única a concorrer à estatueta da Academia, o que torna o nosso artigo válido, por uma questão muito simples: o objetivo é desvendar o que há por trás da premiação.
Afinal de contas, talentos não faltam ao cinema brasileiro. O que falta é apoio e verba.
E também falta ao brasileiro acabar com o que Nelson Rodrigues chamava de complexo de Vira-latas.
O cinema brasileiro conta com inúmeros talentos, tanto de atrizes e atores como de diretores e equipe técnica de um modo geral, como temos mostrado neste nosso site.
E também é necessário acabar de vez com o preconceito contra a produção nacional, de grande mérito.
Vamos, a seguir, procurar desvendar os segredos e bastidores do Oscar.
Como funciona o Oscar
O processo de escolha do Oscar, promovido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Hollywood (EUA), é uma das votações mais icônicas e complexas do entretenimento mundial.
Tudo começa com indicações feitas pelos cerca de 10 mil membros da Academia, divididos em 17 ramos profissionais, como atores, diretores e roteiristas.
Cada ramo indica candidatos dentro de sua especialidade (os atores, por exemplo, escolhem os indicados para as categorias de atuação).
A exceção é para Melhor Filme, que é indicado por todos os membros. Após a definição dos indicados, todos os membros votam nos vencedores.
Historicamente, as escolhas do Oscar são influenciadas por diversos fatores que vão além da qualidade artística.
Campanhas intensas de marketing, organizadas pelos estúdios e distribuidores, têm um papel central.
Essas campanhas incluem exibições exclusivas para membros da Academia, envio de DVDs ou links para visualização, eventos de networking e até jantares privados.
A influência econômica é clara: produções de grandes estúdios, com orçamentos robustos para marketing, geralmente têm mais chances de destacar seus filmes.
É preciso considerar, no entanto, que surpresas de filmes independentes venham a ocorrer, ocasionalmente.
As premiações anteriores dos candidatos, em eventos como o Globo de Ouro, o SAG Awards e o BAFTA, também exercem um impacto significativo.
Embora o Globo de Ouro seja concedido por um grupo relativamente pequeno de jornalistas internacionais (cerca de 200 membros da HFPA, até 2023), sua visibilidade na temporada de premiações pode moldar percepções e criar ímpeto para os indicados ao Oscar.
Além disso, prêmios de sindicatos, como o do Screen Actors Guild, costumam ser precursores importantes, já que muitos votantes desses sindicatos também fazem parte da Academia.
Terreno fértil para especulações
Bastidores do Oscar sempre foram terreno fértil para especulações e polêmicas.
Em diversas ocasiões, surgiram rumores de trocas de favores e práticas pouco éticas, como envio de presentes para membros votantes ou apelos emocionais por meio de campanhas ditas humanitárias.
Um caso emblemático ocorreu em 2001, quando Uma Mente Brilhante enfrentou críticas por omitir aspectos controversos da vida real de seu protagonista.
Mas a campanha da Universal Pictures foi tão bem-sucedida que o filme venceu na categoria de Melhor Filme.
Venceu também nas categorias de melhor roteiro adaptado (Akiva Goldsman), melhor direção (Ron Howard) e melhor atriz coadjuvante (Jennifer Connelly).
Uma Mente Brilhante é sobre a história do matemático John Nash, Prêmio Nobel de Ciências Econômicas, que teria tido um filho com outra mulher antes de se casar, o que foi omitido no filme, entre outros fatos sobre sua vida.
Da mesma forma, Harvey Weinstein, antes de sua queda em desgraça, era conhecido por revolucionar as campanhas de Oscar, criando estratégias agressivas que transformaram filmes como Shakespeare Apaixonado em inesperados vencedores.
Na ocasião, o prêmio chegou a ser ironicamente apelidado de Oscar do dinheiro.
Os estúdios Miramax, segundo o noticiário, chegaram a faturar (seria esse o termo mais adequado?) nada menos que dez dos vinte Oscars, concorrendo também com o filme A Vida é Bela.
Ideologias e poder econômico interferem no Oscar
A influência ideológica nas escolhas também é alvo de debate.
Com frequência, os vencedores refletem valores ou narrativas que ressoam com os temas sociais e políticos em voga.
Em anos recentes, movimentos como #MeToo e #OscarsSoWhite pressionaram a Academia a promover maior diversidade nas indicações e escolhas.
Isso gerou mudanças significativas no perfil dos membros votantes, com a inclusão de mais mulheres, pessoas de minorias étnicas e representantes de diferentes partes do mundo.
Embora oficialmente negado, o poder econômico e a política dentro de Hollywood frequentemente moldam os resultados.
Filmes apoiados por grandes conglomerados midiáticos, com forte influência na indústria e controle sobre a narrativa pública, têm vantagens na premiação.
Mesmo assim, a Academia busca equilibrar essa dinâmica, premiando ocasionalmente produções menores e inovadoras.
Foi o caso de Parasita, de 2020, que quebrou barreiras ao se tornar o primeiro filme em língua não inglesa a ganhar como Melhor Filme.
Escândalos e jogos de interesses
O Oscar é uma celebração artística, mas também é um reflexo do intrincado jogo de interesses, poder e cultura da indústria cinematográfica.
As escolhas nunca são puramente técnicas. E os bastidores das campanhas são tão fascinantes quanto os filmes que elas promovem.
Ao longo da história do Oscar, diversos escândalos envolveram o processo de escolha, revelando os bastidores turbulentos da premiação.
Um dos casos que repercutiram ocorreu em 1999, quando Shakespeare Apaixonado derrotou o favorito O Resgate do Soldado Ryan para o prêmio de Melhor Filme.
A vitória foi atribuída, em grande parte, à agressiva campanha de Harvey Weinstein, então chefe da Miramax, que usou estratégias de marketing intensas, lobby e até mesmo ataques aos concorrentes para garantir a vitória.
Dirigido Por Steven Spielberg, O Resgate do Soldado Ryan foi classificado pela mídia especializada como um clássico do subgênero guerra.
Spielberg perdeu para Melhor Filme, mas ganhou como Melhor Diretor. E Janusz Kaminski ganhou o Oscar de Melhor Fotografia.
O vexame dos envelopes
Outro episódio que entrou para a história nem sempre brilhante do Oscar foi a controvérsia em 2017, quando La La Land foi erroneamente anunciado como Melhor Filme.
Depois que os supostos vencedores já se encontravam no palco para receber os prêmios, Moonlight foi declarado o verdadeiro vencedor.
Esse vexame, misturado com constrangimento, expôs falhas na organização do evento.
O erro foi amplamente divulgado, à época. E o motivo do engano foi a entrega do envelope errado à dupla de apresentadores.
Algo para lá de embaraçoso, sem dúvida, levando-se em conta uma premiação que tem repercussão e plateia atenta em praticamente todo o Planeta.
O Brasil tem chance no Oscar?
Países como o Brasil enfrentam um cenário desafiador no Oscar, especialmente na categoria de Melhor Filme Internacional (anteriormente Melhor Filme Estrangeiro).
Embora o Brasil tenha enviado diversas produções ao longo dos anos, O Pagador de Promessas (1962) chegou a ser indicado, mas não venceu.
Baseado numa peça de teatro de Dias Gomes, O Pagador de Promessas conseguiu a Palma de Ouro do prestigiado Festival de Cannes, na França.
Foi, a propósito, o único filme brasileiro a conquistar o prêmio máximo do festival francês.
Filmes como Cidade de Deus (2002) ganharam destaque em categorias técnicas e de direção, mas não venceram.
A competição é acirrada, e fatores como a visibilidade do filme, campanhas de marketing e a receptividade da temática junto aos votantes influenciam muito.
Filmes brasileiros geralmente enfrentam dificuldade em superar barreiras culturais e conquistar espaço em um mercado dominado por produções europeias e asiáticas.
Ainda estaremos lá?
Levando em conta o conteúdo político de filmes como Ainda Estou Aqui, a receptividade depende, basicamente, de como a obra aborda suas temáticas e do momento político e social vigente.
Historicamente, a Academia premia filmes que dialogam com questões sociais importantes, mas a forma como esses temas são apresentados é crucial.
Produções consideradas ousadas ou polêmicas podem ser tanto beneficiadas quanto prejudicadas.
Por exemplo, Doze Anos de Escravidão (2013) foi amplamente aclamado e venceu como Melhor Filme em 2014 por sua abordagem contundente do racismo.
No entanto, outras produções politizadas, como O Insulto (2017), não tiveram o mesmo impacto.
Quanto a Fernanda Torres, sua vitória no Globo de Ouro poderia ser um ponto de partida para consideração no Oscar, mas o contexto é que decidirá.
Obstáculos para as estrangeiras
Atrizes estrangeiras enfrentam desafios adicionais para vencer na categoria de Melhor Atriz, especialmente se atuarem em filmes em língua não inglesa.
Exemplos de sucesso, como Marion Cotillard em Piaf (2007) e Penélope Cruz em Vicky Cristina Barcelona (2008), mostram que é possível.
No entanto, isso exige reconhecimento prévio, intensa campanha e uma atuação marcante o suficiente para superar barreiras culturais e de mercado.
No caso de Fernanda Torres, sua chance dependeria de uma combinação de fatores: o impacto cultural do filme, o esforço de campanha promovido pelos distribuidores, e a forma como a atuação dela ressoa emocionalmente com os votantes da Academia.
Apesar dos desafios, até mesmo uma indicação já seria um feito notável, dado o histórico do Oscar em relação a produções brasileiras e a atores de língua portuguesa.
E a vitória representaria o troféu que a cinematografia brasileira já merece há muito tempo.
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