Homeland e o ódio que nunca tem fim

A série Homeland, exibida pela Netflix, é apenas sobre terrorismo? Na verdade, é mais do que isso. Pode-se dizer que representa o ódio que parece não ter fim entre o império norte-americano e o mundo árabe.

Uma leitura apressada pode levar a essa conclusão de que Homeland é apenas sobre terrorismo. Digamos que é e que não é. Será que a grande estrela é a geopolítica?

Ao trocar a pirotecnia de “confrontos no front” por salas de crise, bunkers e apartamentos vigiados, a série se instala no território cinza onde democracias, sob ameaça, reescrevem seus limites.

Os golpes não são de armas, mas de narrativa: fake news, operações de influência, negação plausível.

Por isso Homeland conversa menos com filmes de guerra e mais com o thriller de espionagem setentista — os herdeiros de O Dossiê Odessa e Os Três Dias do Condor — filtrados pela ansiedade pós-11 de setembro.

A série também foi fiel a um método: antes de cada temporada, roteiristas e elenco participavam de um “acampamento de espiões”, consultando ex-agentes para mapear temas e dinâmicas verossímeis.

Mesmo quando os arcos vacilavam, a pauta era relevante — do uso de drones a ingerências estrangeiras em eleições. E da difamação algorítmica à burocracia de Estado que transforma heróis em danos colaterais.

Com oito temporadas, as três primeiras são as mais relevantes. Mas sucesso no streaming significa que o show tem que continuar.

Começou

Como tudo começou

Em 2 de outubro de 2011, o Showtime apresentou ao mundo Homeland, criada por Alex Gansa e Howard Gordon a partir da série israelense Prisoners of War (Hatufim).

A premissa parecia simples: uma agente da CIA, Carrie Mathison (Claire Danes), recebe de uma fonte a informação de que “um prisioneiro de guerra americano mudou de lado”.

Dias depois, o sargento Nicholas Brody (Damian Lewis) é resgatado após oito anos em cativeiro da Al-Qaeda e retorna aos EUA como herói. Seria ele o traidor?

A partir desse conflito, Homeland estabeleceu um tipo particular de suspense: mais do que explosões, valiam a tensão silenciosa, a paranoia institucional e os dilemas morais.

Não por acaso, a série se aproxima de títulos como Sleeper Cell e, em espírito, de 24 Horas (também produzida por Gordon), embora troque o espetáculo do set‑piece pelo calafrio do “e se…?”.

Ao longo de oito temporadas e muitos solavancos, a produção encontrou na complexidade de Carrie Mathison, sua anti-heroína bipolar, o coração que a faria pulsar até um final à altura.

Homeland permanece relevante por três razões: a força da personagem central, a miragem sempre atual de um mundo em estado de exceção e a coragem de se reinventar — inclusive quando erra.

A estreia perfeita

A estreia perfeita: suspeita, amor e o peso do 11 de Setembro

A primeira temporada é, de longe, a melhor encarnação da série. A narrativa é impecável, a tensão é ininterrupta e o trabalho do elenco beira o hipnótico.

Carrie, guiada pelo mentor e “bússola moral” Saul Berenson (Mandy Patinkin), decide investigar Brody à revelia do consenso da CIA.

Ela é a única que suspeita do “herói” e a que mais se aproxima dele.

Sentindo-se culpada por “não ter visto” o 11 de setembro prestes a acontecer, Carrie diz a si mesma e aos que estão mais próximos que não permitirá que essa sua falha se repita.

O problema: Carrie esconde de todos um transtorno bipolar. Em uma profissão construída sobre camadas de segredo, a condição vira arma contra ela — e contra nós, que oscilamos entre confiar e duvidar de sua percepção.

Homeland inaugura aqui seu grande tema: o preço do dever.

Ao seduzir Brody como método investigativo, Carrie atravessa fronteiras éticas e afetivas que terão consequência por anos.

O romance doentio entre eles, ao mesmo tempo âncora emocional e bomba-relógio narrativa, define a série: por trás de cada operação bem-sucedida, há um custo inconfessável.

Brody e as consequências: auge, estiramento e queda

A segunda temporada mantém o alto nível, expandindo a ambiguidade de Brody e aprofundando a conexão fatal com Carrie.

Não é surpreendente que a série colecione Emmys e Globos de Ouro nesse período. Mas o terceiro ano, salvo um desfecho avassalador, sofre ao prolongar o arco de Brody além do ponto de saturação.

Ainda assim, o fim desse capítulo — simbolizado pela “estrela” desenhada por Carrie — é um soco que ressignifica tudo: a série se despede do seu “co-protagonista” com coragem e sinaliza um reboot possível.

A partir daqui, Homeland teria de responder a uma pergunta: o que ela é sem Brody?

A resposta, felizmente, envolve duas peças-chave: a radicalização ética de Carrie e a chegada de Peter Quinn.

Peter Quinn lealdade, trauma e o limite do sacrifício

Peter Quinn: lealdade, trauma e o limite do sacrifício

Introduzido na segunda temporada, o agente operacional Peter Quinn (Rupert Friend) começa como contraponto pragmático a Carrie e se torna seu grande aliado — e, por vezes, seu “freio moral”.

Ao tentar salvá-la de si mesma, Quinn paga caro: é exposto a gás tóxico durante um complô na Alemanha, sofre sequelas e, mais tarde, morre salvando Carrie e a presidente dos EUA de uma emboscada.

A trajetória do personagem, ao mesmo tempo heroica e trágica, funciona como espelho da série: cada vitória cobra um preço. E, às vezes, o preço é a própria vida.

Não à toa, decisões envolvendo Quinn catalisaram a insatisfação de parte dos fãs — o barulho do movimento NotOurHomeland na época expôs um ponto frágil da produção: quando se afasta demais de Carrie como centro dramático, a série se desequilibra.

A “rainha dos drones”: reinvenção e dilemas na 4ª temporada

Se o terceiro ano se despede de Brody, a quarta temporada traz de volta a bússola.

Carrie, agora chefe de estação da CIA em Cabul, tem a chance de eliminar o terrorista Haissam Haqqani (Numan Acar) via ataque de drone. Ela decide — e inocentes morrem.

O choque devolve à série um conflito essencial: até onde vai o “vale tudo” em nome da segurança nacional? Vidas americanas valem mais que outras? E o que resta da agente quando a vitória exige inocular-se contra a culpa?

A resposta se desenha em episódios soberbos como 13 Hours in Islamabad, um tour de force de tensão, e Long Time Coming, que esfrega no espectador a falsa esperança de felicidade.

O que parecia um “novo começo” para Homeland é, na verdade, o reconhecimento de sua alma: thriller com musculatura, mas obcecado por moralidade.

O fundo do poço: a desconexão das temporadas 5 e 6

A quinta e a sexta temporadas são, para muitos, o ponto mais fraco da série.

Carrie surge dois anos depois, fora da CIA e como chefe de segurança de uma ONG na Europa.

A narrativa a desloca do epicentro e força conexões entre núcleos díspares — enquanto o arco de Quinn, antes promissor, oscila entre o rascunho e o melodrama.

A sexta temporada, já mergulhada em política doméstica, tem boas ideias, mas falha ao impor a Carrie situações “porque sim”, esgarçando a credibilidade construída.

Ainda assim, nas margens há lampejos: Miranda Otto como chefe de estação da CIA na Alemanha em um registro frio e calculista; a presença ameaçadora de Haqqani; e Max Piotrowski (Maury Sterling), técnico subestimado que, com discrição, amarra fios narrativos importantes — da vigilância clandestina de Brody à caça a fábricas de desinformação.

A volta por cima desinformação e Rússia na 7ª temporada

A volta por cima: desinformação e Rússia na 7ª temporada

Contra as expectativas, a sétima temporada é um retorno à forma. O tema da vez — a influência russa nas instituições americanas e a ecologia da desinformação — recoloca Homeland no noticiário, sem didatismo.

“Mentiras, amplificadores, maldito Twitter”: o diagnóstico é contundente, a execução é tensa, e Carrie volta ao centro com sua complexidade intacta.

Desempregada, mas obstinada, ela se infiltra em uma teia que envolve fake news, abusos de poder e uma presidente — Keane (Elizabeth Marvel) — encurralada pelo próprio sistema que ela representa.

Há uma novidade também de tom: a série encontra um equilíbrio maduro entre o thriller e o drama íntimo.

Carrie é mãe — e falha. Em alguns momentos, é “a pior mãe do mundo”, como quando sua instabilidade coloca a filha em risco. Em outros, é a única pessoa capaz de fazer o que precisa ser feito.

O nono episódio, especialmente, leva a personagem ao limite. A direção de Lesli Linka Glatter, veterana da série, dá acabamento cinematográfico a um arco que lembra o porquê de ainda assistirmos Homeland: Claire Danes.

Claire Danes, o motor da série

Claire Danes, o motor da série

Há atuações que carregam uma obra. A de Claire Danes em Homeland é dessas.

Cada olhar latejante, cada linha de diálogo sussurrada como uma confissão, cada surto que flerta com o desastre e com a genialidade: Danes entrega uma anti-heroína que nunca nos pede simpatia, mas conquista respeito.

Carrie ilude, mente, seduz, ordena ataques com “danos colaterais”. Não é vilã. Não é santa. É a personificação do “fim que justifica os meios?” — a interrogação é parte da resposta.

Se Homeland sobreviveu aos anos de abundância seriada na TV, foi porque sua protagonista manteve a série relevante quando a trama vacilava.

Em uma década de televisão que viu a ascensão do “prestige drama” e a saturação do thriller político, Carrie Mathison é lembrada entre as grandes personagens — ao lado de nomes como Tony Soprano, Walter White e Don Draper — por um motivo simples: contradição humana.

O adeus: o jogo de xadrez entre Carrie e Saul na 8ª temporada

Chegar ao fim depois de oito temporadas é tarefa ingrata. Homeland consegue porque entende que sua última história precisa ser íntima e global ao mesmo tempo.

O foco recai sobre Saul e Carrie — mestre e aprendiz, pai e filha por afinidade, polos opostos de uma mesma bússola ética.

Com a sombra russa ainda sobre a protagonista, a missão derradeira exige o impossível: impedir uma catástrofe internacional e decidir entre a lealdade a Saul e o bem comum.

Sem estragar a experiência de quem ainda vai chegar lá: o desfecho de Carrie é coerente com tudo o que ela foi.

Para “salvar o mundo”, ela aceita trair quem mais ama e quem mais a salvou. O último episódio — irônica e belamente batizado Prisoners of War — resgata a tensão da primeira temporada e fecha um ciclo sem prender a personagem a um “fim de novela”.

Carrie pode até deixar a CIA; pode até desaparecer do radar; mas sua guerra secreta não termina. O que vemos é apenas o último capítulo a que tivemos acesso.

Mais do que terrorismo: a ética do segredo

  • *Saul Berenson (Mandy Patinkin): diretor da CIA e bússola moral, mais do que mentor é pai simbólico de Carrie. Sua fé na pupila é testada até o limite. O segredo que carrega — uma agente infiltrada em alto nível na Rússia — torna-se o pivô do fim: a vida dele e o equilíbrio geopolítico pesam na mesma balança.
  • *Max Piotrowski (Maury Sterling): o técnico discreto que faz a engrenagem girar. Da vigilância clandestina de Brody à descoberta de uma central de fake news, Max representa a ética silenciosa da inteligência: sem glamour, sem manchete, com risco real. Na última temporada, ao acompanhar militares em campo, vira talismã — humano demais para estar ali, necessário demais para ficar fora.
  • *Nicholas Brody (Damian Lewis): herói, traidor, vítima e algoz — tudo ao mesmo tempo. Seu arco é o motor dos primeiros anos e seu “desaparecimento”, no Irã, é a ruptura que permite à série se reconstruir.
  • O amor impossível com Carrie rende cenas brilhantes e alguns desvios de rota cansativos. No fim, a “estrela” que ela desenha não apaga o que ele fez; ilumina o que ela perdeu.
  • *Peter Quinn (Rupert Friend): inquieto, irônico, letal e frágil. Sobrevive ao improvável, carrega sequelas, volta à linha de frente para, enfim, tombar. Seu destino sintetiza o pacto da série com o realismo moral: ninguém sai inteiro.
  • *Haissam Haqqani (Numan Acar): antagonista que produz um dos episódios mais tensos (o cerco à embaixada americana) e depois ressurge como peça de paz. Não como redenção simplória, mas como reconhecimento de que, no tabuleiro da geopolítica, a verdade muda de lugar.
  • *Allison Carr (Miranda Otto): chefe de estação em Berlim. Encara a crise europeia com pragmatismo glacial, trazendo um sabor de thriller de espionagem “à moda antiga”. Um retrato frio de como ambição e razão de Estado se confundem.

A representação da doença mental: coragem e muleta

Homeland foi elogiada e criticada pela abordagem do transtorno bipolar.

De um lado, a série humaniza a condição ao mostrá-la como força e fraqueza: a hiperfocagem de Carrie resolve casos; seus surtos destroem pontes.

De outro, há temporadas em que o recurso vira muleta narrativa, repetindo gatilhos e colocando a personagem em loop.

O saldo, no entanto, é positivo: ao tirar o tema da caricatura e colocá-lo no centro de uma obra popular, a série fez mais do que a maioria.

Há uma cena que resume o ponto: em depressão pós-parto, Carrie quase afoga a própria filha.

O momento é de partir o coração — e desmonta a fantasia da “mãe perfeita”. A série não a desculpa; tampouco a cancela. Só a encara com a sobriedade que raramente se vê no audiovisual.

Episódios essenciais (sem listar demais)

Se você busca um percurso de impacto, três momentos são bons portais: o piloto (a síntese da suspeita), 13 Hours in Islamabad (o ar estanca; a operação sai do controle) e Prisoners of War (o adeus que é também recomeço). No caminho, “Q&A”, o interrogatório de Brody, e “The Star”, o fim de um ciclo, mostram Homeland no auge da dramaturgia.

Homeland hoje: por que ainda importa

Ver Homeland em 2025 ou anos seguintes não é apenas revisitar um artefato da Guerra ao Terror. É testemunhar uma ficção que entendeu, antes de muitos, a lógica do nosso tempo: guerras por percepção, dados como munição, verdade como ativo escasso.

Quando Carrie e Saul debatem o que estão dispostos a sacrificar, a pergunta ecoa além da CIA: o que uma sociedade democrática aceita perder para se sentir segura?

Por isso, mesmo quando erra, Homeland importa. Porque insiste em perguntar — e nos recusamos a parar de responder.

Onde assistir

No momento da publicação, Homeland está disponível no catálogo brasileiro da Netflix. A disponibilidade pode variar; consulte o serviço na sua região.

Conclusão: dever cumprido

Homeland termina como deveria: fiel aos seus dilemas, centrada em Carrie e consciente de que finais felizes não combinam com guerras intermináveis.

O último capítulo não encerra uma vida: fecha uma janela. Do outro lado, podemos imaginar Carrie em silêncio, reescrevendo códigos e escolhendo, outra vez, pagar o preço que ninguém mais aceita pagar.

Não há espaço para felicidade plena. Mas há, sim, espaço para dever cumprido.

Se a pergunta do primeiro episódio era “quem mudou de lado?”, talvez a resposta mais perturbadora da série seja outra: quantas vezes a própria democracia muda de lado quando tem medo?

Homeland não nos dá conforto. Dá algo melhor: maturidade.

FAQ: Perguntas inevitáveis. Respostas, idem

Preciso ver Homeland na ordem? 

Sim. Embora cada temporada trate de um tema, os arcos de personagem e as consequências morais se acumulam. Ver fora de ordem reduz impacto e compreensão.

É “só” sobre terrorismo? 

Não. Homeland usa o terrorismo como gatilho para discutir ética de Estado, desinformação, política externa e saúde mental.

O final é conclusivo? 

É conclusivo no que precisa ser, mas recusa “felicidade enlatada”. O destino de Carrie é coerente e deixa espaço para imaginarmos sua vida após a CIA.

É baseada em fatos reais? 

Não diretamente. É inspirada na série israelense Prisoners of War e na consultoria de ex-agentes, o que dá verossimilhança aos procedimentos e temas.

Mais vendido #1
  • LG ThinQ® AI – Inteligência Artificial Embutido. | Conta com wi-fi y porto de rede. | Possui 3 portas HDMI. | Equipado …
R$ 1.383,20
Mais vendido #2
  • Possui 3 portas HDMI. | Equipado com conexão USB. | Com conectividade via Bluetooth. | Inclui controle remoto. | Dimensõ…
R$ 1.861,50
Mais vendido #3
  • Bixby Embutido. | Possui 3 portas HDMI. | Equipado com conexão USB. | Com conectividade via Bluetooth | Inclui controle…
R$ 1.928,65
Mais vendido #4
  • Sua resolução é FHD. | Tecnologia HDR para melhor qualidade de imagem. | Com Netflix. | Alexa incorporado. | Controle LG…
R$ 1.495,12
Mais vendido #5
  • Alexa Embutido. | Conta com 2 portas HDMI. | Conta com conexão USB. | Com conectividade via Bluetooth. | Dimensões: 72c…
R$ 999,00

Sobre o Autor

Gerson Menezes
Gerson Menezes

O objetivo do Autor não é o de concentrar-se na linguagem rebuscada do tecnicismo cinematográfico, mas de apresentar o que há de melhor (ou de pior) na filmografia nacional e internacional, e concentrar-se no perfil dos personagens. As análises serão sempre permeadas pela vertente do humanismo, que, segundo o Autor, é o que mais falta faz ao mundo em que violência e guerra acabam compondo o cenário tanto dos filmes como da realidade de inúmeros países, entre os quais o Brasil.

    0 Comentários

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Solicitar exportação de dados

    Use este formulário para solicitar uma cópia de seus dados neste site.

    Solicitar a remoção de dados

    Use este formulário para solicitar a remoção de seus dados neste site.

    Solicitar retificação de dados

    Use este formulário para solicitar a retificação de seus dados neste site. Aqui você pode corrigir ou atualizar seus dados, por exemplo.

    Solicitar cancelamento de inscrição

    Use este formulário para solicitar a cancelamento da inscrição do seu e-mail em nossas listas de e-mail.