Profissão de Risco deveria servir de alerta mas não consegue

O início do filme nos leva a imaginar que se trata daquelas películas mal realizadas, apenas atrás de bilheteria. Além disso, Profissão de Risco ameniza a realidade, sobretudo para mentes frágeis, retratando um mundo cruel sem sua devida dimensão.

No decorrer do filme, o espectador mais realista certamente irá questionar: dinheiro fácil (na verdade, nem tanto) e festas entupidas de drogas valem a pena quando resultam em crises, riscos de vida e afastamento das pessoas que amamos de fato?

O filme Profissão de Risco (Blow), lançado em 2001 e que está no catálogo da MAX, é uma produção que busca relatar a trajetória de George Jung, um dos maiores traficantes de cocaína da história dos Estados Unidos.

Profissão de Risco deveria servir de alerta

História e dramas reais

A história, por mais que pareça fantasiosa, é real. Bem como os conflitos e os perigos, que na verdade são bem mais frequentes, na vida de qualquer traficante, do que o dia a dia retratado no filme.

O suposto glamour e o sucesso com mulheres são fantasiosos. E o fim, em boa parte das vezes, é excessivamente trágico.

Basta ver o destino de Pablo Escobar, que se tornou um dos traficantes mais temidos do mundo, e que acabou sendo morto pela polícia após uma intensa caçada.

E de Joaquim Guzmán, apelidado de El Chapo (ou baixinho, devido aos seus 1,68 metros de altura).

Guzman, um narcotraficante mexicano do chamado Cartel de Sinaloa, se achava muito poderoso. E, de fato, a revista Forbes o classificou como uma das pessoas mais poderosas do mundo entre 2009 e 2013.

Com olhar perdido, e com sinais evidentes de desequilíbrio emocional, psíquico e mental, ele está cumprindo sua sentença de prisão perpétua numa das prisões mais rigorosas dos EUA, onde mal pode ver a luz do dia.

Profissão de Risco ameniza a realidade e cria ilusões

Interpretado por Johnny Depp, George Jung teve uma infância marcada pelas dificuldades financeiras do pai, que ficou desempregado.

A relação conflituosa com a mãe, devido ao seu envolvimento com o tráfico de drogas, perdurou mesmo depois que ele foi condenado à prisão, sem poder sair nem para ir ao sepultamento do pai, que ele amava.

Sempre correndo riscos, George teve sua ascensão no mundo do crime marcada por alianças com o Cartel de Medellín e o próprio Pablo Escobar.

Um resultado que pode fisgar o espectador

Com um enredo que transita entre o fascínio pela riqueza ilícita e as consequências devastadoras do tráfico, o longa parece deliberadamente projetado para confundir o espectador entre condenar e simpatizar com um criminoso.

A direção de Ted Demme (falecido em 2002, com apenas 38 anos de idade) minimiza os aspectos jurídicos e burocráticos, e também acaba romantizando um personagem cuja realidade foi marcada por violência e derrocada das relações sociais.

A narrativa centrada na perspectiva de Jung não pode ser confundida, no entanto, com uma humanização do traficante, cujas ações contribuíram para a disseminação de uma crise de saúde pública nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980.

Um diabo loiro?

Com longos cabelos loiros, sempre sorridente, bem vestido e de aparência jovial e pacífica, o George retratado no filme (que narra a sua própria história) pode levar muitos espectadores a sentirem pena do traficante criminoso, especialmente nas cenas finais.

Embora a atuação de Depp seja carismática e convincente, é desconfortável perceber como o filme pode levar a audiência a torcer por alguém que transportava toneladas de cocaína diariamente, alimentando uma indústria de vícios e tragédias.

Outro ponto que acabou gerando controvérsia foi a representação de Mirtha, que se casa com George, com quem tem uma filha.

Penélope

Interpretada por Penélope Cruz, extremamente magra, a atriz recebeu críticas negativas ao ponto de ser indicada ao prêmio Framboesa de Ouro, como pior atriz.

No entanto, uma análise cuidadosa revela que sua atuação como uma mulher instável e emocionalmente desgastada é coerente com a narrativa, fiel à realidade que o filme acaba por amenizar.

Além disso, a caracterização superficial de Profissão de Risco não contribui para explorar a complexidade das relações abusivas ou os danos colaterais do mundo criminoso.

Nostalgia na trilha sonora

O filme tenta compensar a ausência de uma fotografia marcante com uma trilha sonora nostálgica, que traz hits da década de 1970.

No entanto, a escolha das músicas parece mais uma estratégia de apelo comercial do que um elemento narrativo relevante.

A abordagem estilo pés no chão dos roteiristas David McKenna e Nick Cassavetes, embora eficaz em estruturar a narrativa, não isenta o filme de críticas quanto à sua postura moral.

Ao glorificar a riqueza e os prazeres associados ao crime, Profissão de Risco acaba falhando por não provocar uma reflexão mais profunda sobre os impactos devastadores do narcotráfico.

Por fim, o filme se torna ainda mais ambíguo se for analisado à luz da morte de George Jung, ocorrida em 2021.

Muito mais do que ascensão e queda

Muito mais do que ascensão e queda

A trajetória de George Jung, marcada por alianças com Escobar e pelo papel central no tráfico internacional, não é apenas uma história de ascensão e queda.

É um retrato da devastação causada por um império movido a cocaína.

Ao morrer cercado de cuidadores, namorada e amigos (muito depois de lançado o filme), Jung parece encerrar sua vida em relativa paz, um destino que contrasta fortemente com o sofrimento que ajudou a perpetuar.

Profissão de Risco pode ser encarado, para quem assiste a filmes como mera distração, como obra cativante e razoavelmente bem executada.

A realidade, no entanto, é que o filme deveria exigir do espectador um senso crítico aguçado, para compreender o mundo que o enredo pretende retratar.

Qualquer deslumbre pela narrativa carismática de Jung deve ser contrabalançado pela realidade.

Ou seja: a realidade sombria do que ele representou como um dos traficantes mais poderosos do terrível histórico de drogas que persiste em todo o mundo.

Sobre o Autor

Gerson Menezes
Gerson Menezes

O objetivo do Autor não é o de concentrar-se na linguagem rebuscada do tecnicismo cinematográfico, mas de apresentar o que há de melhor (ou de pior) na filmografia nacional e internacional, e concentrar-se no perfil dos personagens. As análises serão sempre permeadas pela vertente do humanismo, que, segundo o Autor, é o que mais falta faz ao mundo em que violência e guerra acabam compondo o cenário tanto dos filmes como da realidade de inúmeros países, entre os quais o Brasil.

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