O filme O Autor começa bem, mas o resultado é altamente insatisfatório. Poderia ser um estudo bem feito sobre a busca do sucesso a qualquer custo, e várias de suas implicações. Mas, de um ponto em diante, perdeu o rumo. É inevitável concluir que O Autor medíocre foi mal explorado e não alcança o que poderia ter sido o seu objetivo.
De início, o espectador pode até sentir uma certa simpatia, ou compaixão, pelo personagem Álvaro. Mas tudo isso vira pelo avesso.
Álvaro é um frustrado que trabalha num cartório e que é o tempo todo incomodado por um colega que, literalmente, lhe enche o saco, tagarelando incessantemente sobre coisas desinteressantes.
Para completar, passa a sentir inveja da esposa, que é premiada e homenageada por um livro que, na opinião do próprio Álvaro, se resume a uma criação literária meramente comercial.
Como se isso não bastasse, o personagem principal é humilhado pelo professor de Literatura, que interrompe a leitura que Álvaro está fazendo do seu texto, para avaliação, e lhe joga na cara que se trata de uma criação medíocre de quem tenta – sem a menor chance – se tornar um escritor de sucesso.
Em vez de desanimar, Álvaro se torna ainda mais obstinado em sua busca por escrever o livro perfeito, que tenha mérito muito superior à literatura produzida pela mulher, de quem se separa após ser traído.
Ser escritor é aspiração de muita gente que pretende se tornar famosa. E o filme poderia evoluir para uma reflexão profunda sobre esse dilema e todas as suas nuances.
Mas a obstinação de Álvaro o transforma num mau caráter, que manipula as pessoas, em prejuízo delas, para obter respostas que o levem a escrever seu tão pretendido sucesso literário.
Há passagens curiosas, como aquela em que o próprio professor concorda com Álvaro sobre a baixa qualidade do livro da esposa.
Mas é novamente o professor quem acaba elevando a esposa de Álvaro a uma escritora de valor, a ponto de convidá-la para uma palestra na própria sala em que o aluno humilhado estuda.
Outra dessas passagens bem situadas é quando o professor acaba revelando que submeteu os textos de Álvaro à mulher que o traiu e de quem sente inveja.
Numa reação perfeitamente coerente, Álvaro se revolta com a atitude do professor e se retira do restaurante onde almoçavam, passando a desenvolver seu livro sem submeter, daí por diante, seus escritos ao seu antigo mestre.
Obviamente, os roteiristas não desenvolveram a história com o objetivo de levar o espectador a sentir simpatia, compaixão ou, finalmente, repulsa pelo personagem principal.
Seria despropositado dizer que a finalidade da trama seria essa. Mas acabou se reduzindo a isso, pelo desenrolar do filme.
O espectador, provavelmente, passa a ter a convicção de que, além de medíocre, o personagem se reduz a um desvairado capaz de festejar sua própria prisão, numa cena patética dentro do veículo que o levaria à penitenciária.
Há perfis interessantes que dariam margem a reflexões sobre dramas humanos, como a solidão, as traições, a maldade, a obsessão, a inveja, a hipocrisia e a ambição desenfreada que se volta contra o próprio obcecado.
Mas O Autor acaba se revelando um filme que preferiu se manter na superfície, alheio a todas essas possibilidades.
O próprio desfecho dá a impressão de que, sem saber como encerrar a trama, optou-se pela solução mais simples, como se a desistir de qualquer intenção de se aprofundar.
A expectativa inicial de estar diante de um filme psicologicamente profundo se desfaz.
E, além do próprio personagem, o espectador se frustra diante de um resultado esperado que não se concretizou ao longo da história.
Estamos acostumados a assistir a séries demasiadamente longas na Netflix, sem que a história possa valer tantos capítulos.
No caso de O Autor, cada uma das situações que surgem (inclusive o aparente interesse da mexicana frustrada em estabelecer uma relação amorosa com o personagem Álvaro, entre muitas outras passagens) possibilitaria transformar a história numa série que justificaria o desdobramento em muitos capítulos bem interessantes e curiosos.
Mas O Autor medíocre foi mal explorado e se reduziu a um filme desinteressante e igualmente frustrante.
Moral da história: muitas séries da Netflix poderiam se reduzir a um filme. Enquanto o filme O Autor poderia ter se tornado, ao menos, uma minissérie, muito mais profunda e interessante.
O Autor (El Autor) é um filme espanhol produzido em 2017. A direção é de Manuel Martin Cuenca, que dividiu o roteiro com Javier Cercas e a produção com David Naranjo e Mônica Lozano.
No elenco estão Javier Gutiérres (Álvaro), Maria León (Amanda) e Adelfa Calvo (a zeladora), entre outros.
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