Ficção ou realidade em Maníaco do Parque

O filme, lançado em 2024, sobre o horror provocado pelo serial killer Francisco, da forma como foi roteirizado, suscita a dúvida: há ficção ou realidade em Maníaco do Parque?

Antes de mais nada, é preciso reconhecer que o cinema brasileiro tem um rico histórico de retratar eventos marcantes, tanto fictícios quanto reais, que ecoam na memória coletiva da população.

Assim sendo, o filme Maníaco do Parque, que está no catálogo da Amazon Prime Vídeo, pode ser encarado como um exemplo impactante, inspirado em um dos casos criminais mais midiáticos do país.

Ficção ou realidade?

Nessas circunstâncias, a produção (de Marcelo Braga) optou por inserir no roteiro (de L.G.Bayão) a presença fictícia de uma jornalista.

O objetivo, dessa forma, foi o de realçar a luta legítima das mulheres por maior proteção em uma sociedade machista e misógina. E, muitas vezes, agressiva ou violenta em suas relações interpessoais.

Adotado esse viés pela equipe de produção, sobrou mais para a Imprensa.

Tão mal afamado nos tempos atuais, o chamado quarto poder foi retratado como se exercido apenas por profissionais excessivamente ambiciosos e maliciosamente irônicos em sua competição diária.

Mais do que isso: é apresentado como imoralmente intencionado em facilitar que o criminoso não fosse achado, para continuar proporcionando manchetes diárias e o aumento de lucros para os donos de jornais sensacionalistas.  

Só a imprensa na berlinda

Só a imprensa na berlinda

O desenvolvimento da trama deixa evidente o perfil negativo dos tabloides sensacionalistas, que, de resto, existem mundo afora.

Não fica claramente perceptível para o público, no entanto, o perfil de uma sociedade que absorve com avidez esse tipo de conteúdo.

E que, igualmente pelo seu viés doentio, demonstra a evidência de que grande parte dos que a compõem despreza a educação, a cultura e a socialização das crianças, no sentido psicológico. E que, diante disso, acaba contribuindo para a proliferação de mentes criminosas.

Afinal de contas, não se pode negar que uma imprensa sensacionalista só existe porque há imensa parte dessa mesma sociedade que a consome com avidez proporcional à que é exercida pelos profissionais em busca do chamado furo de reportagem.

Elenco dá conta do recado

Com atuações consistentes, principalmente dos dois atores mais presentes em cena (Silvero Pereira no papel do Maníaco e Giovanna Grigio interpretando a jornalista Elena), o longa-metragem reproduz, com trechos ficcionais, um dos episódios mais sombrios da crônica policial brasileira.

Ao lado da existência de uma jornalista criada para tornar o filme um símbolo em defesa da mulher, o filme expõe na tela temas como violência, psicologia criminal e a relação entre a sociedade e seus criminosos.

Ficção ou realidade em Maníaco do Parque mostra vítimas

O contexto real por trás da história

O caso do Maníaco do Parque chocou o Brasil nos anos 1990. É a década em que Francisco de Assis Pereira é identificado como o autor de uma série de crimes brutais contra mulheres.

Mostrando-se à vontade em sua tática manipuladora, ele fazia promessas de trabalhos como modelo fotográfico, a fim de atrair suas vítimas para locais desertos do Parque do Estado, em São Paulo.

Além dos assassinatos, o caso revelou detalhes perturbadores sobre o perfil psicológico de Pereira.

Sem exposição explícita

O filme Maníaco do Parque vale-se de uma narrativa que suaviza as imagens dos acontecimentos reais, o que o livra de ser comparado ao sensacionalismo da Imprensa que o filme retrata.

A par disso, transforma uma história real em uma narrativa cinematográfica que mistura ficção e fatos.

Embora algumas licenças artísticas tenham sido tomadas, a essência do caso é mantida, possibilitando que o impacto emocional e social seja transmitido ao espectador.

A representação cinematográfica

A direção do filme busca criar uma experiência imersiva para o público, utilizando uma narrativa não linear que alterna entre o ponto de vista do criminoso, das vítimas e da investigação policial.

Essa abordagem pode até abrir espaço para uma compreensão mais profunda da complexidade do caso, enquanto provoca reflexão sobre as motivações humanas e as consequências dos macabros atos praticados.

No entanto, o surgimento de uma jornalista principiante em disputa na redação do jornal com colegas ambiciosos e machistas suscita dúvidas sobre até onde se estende o lado ficcional e a realidade.

A imprensa investiga

Tensão psicológica

O roteiro foi elaborado de forma a equilibrar elementos de suspense, drama e investigação.

As cenas de diálogos, por sua vez, surgem carregadas de tensão psicológica.

Enquanto isso, as sequências de ação e confronto destacam a gravidade dos crimes.

O recurso mais usado foi o de destacar as expressões do psicopata agressor, em close, para evitar a exposição, de resto desnecessária, da crueza e animalidade dos ataques sexuais.

Atuações convincentes dos protagonistas

As atuações no filme, conforme já dissemos, estão entre os pontos altos da produção, com destaque para a atriz que representou o papel de jornalista.

O ator que interpreta Francisco de Assis Pereira, por sua vez, entrega uma performance visceral. Captura, assim, a dualidade de um homem que, por fora, parecia quase socialmente aceitável, mas que carregava intenções sombrias.

O elenco secundário também demonstra eficiência, com performances autênticas que retratam as vítimas de forma humanizada e comovente.

Evitam-se, dessa forma, os estereótipos, com a retratação das sobreviventes pelo lado das histórias e sonhos interrompidos.

Ambientação e trilha sonora

Trabalha-se a ambientação do filme, pelo que se percebe, com a finalidade de criar uma atmosfera opressiva e inquietante.

A opção de filmar as cenas no Parque do Estado com iluminação sombria e enquadramentos destaca a vastidão e o isolamento do local, contribuindo para o tom dramático da narrativa.

A trilha sonora é minimalista, com o uso de sons que procuram realçar o clima quase explosivo das tensões, além de efeitos sonoros ao mesmo tempo sutis para amplificar o suspense.

Quando se utiliza a música, ela serve para intensificar momentos de tensão e emocionalidade, criando a pretendida conexão com o espectador.

O impacto social e a recepção do público

O filme Maníaco do Parque provocou diversas reações desde seu lançamento.

Por um lado, houve quem o elogiasse por sua coragem em abordar um tema tão delicado e por trazer à tona questões relevantes sobre violência contra a mulher e os desafios do sistema judicial brasileiro.

Por outro lado, algumas críticas questionaram se a produção poderia estar romantizando ou explorando, de forma sensacionalista, os eventos reais.

A discussão gerada pelo filme é uma demonstração de como o cinema pode atuar como um espelho da sociedade, refletindo suas falhas e provocando debates necessários.

Ao retratar a história do Maníaco do Parque, a produção destaca a importância de reconhecer os sinais de comportamento predatório e, ao lado disso, a necessidade de reforçar as medidas de proteção e prevenção.

A figura do predador social

Olhando pelo lado positivo, o filme pode servir como um ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre a psicologia criminal.

Francisco de Assis Pereira seria um predador social, termo usado para definir indivíduos que manipulam e exploram suas vítimas com frieza calculada.

Ao tentar apresentar um perfil da mente do criminoso, a narrativa cinematográfica convida o público a questionar as motivações e os fatores que contribuem para o surgimento de comportamentos tão extremos.

Essa análise está presente, por exemplo, na atitude da irmã da jornalista (interpretada por Mel Lisboa), que procura traçar com clareza o modus operandi de um psicopata.

Eles demonstram não sentir medo, nem emoção, nem arrependimento, ensina ela à irmã, empenhada, até então, em descobrir o paradeiro do criminoso, no tempo em que ele conseguiu atravessar a fronteira com a Argentina para não ser capturado.

Surgem ocasiões, vez por outra, que ajudam a contextualizar a história no cenário mais amplo da criminologia.

tensão psicológica

O lado sombrio da natureza humana

Maníaco do Parque, até certo ponto, desafia o espectador a confrontar as realidades sombrias da natureza humana e as falhas estruturais da sociedade.

Com as atuações convincentes, a direção competente (Maurício Eça) e uma narrativa envolvente (roteiro de L.G. Bayão), o longa deixa uma marca profunda no público, abrindo a perspectiva de promover discussões necessárias sobre temas urgentes.

Com a preocupação de mostrar a relevância do caso, a produção se propõe a informar e a sensibilizar, reforçando que o cinema brasileiro é capaz de lidar com questões complexas de forma impactante e reflexiva.

Para os espectadores, Maníaco do Parque é um lembrete poderoso do papel que a arte pode desempenhar na compreensão da dita humanidade, que tem demonstrado, com frequência muito acima do aceitável, sua capacidade de não se comprovar humana.

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Sobre o Autor

Gerson Menezes
Gerson Menezes

O objetivo do Autor não é o de concentrar-se na linguagem rebuscada do tecnicismo cinematográfico, mas de apresentar o que há de melhor (ou de pior) na filmografia nacional e internacional, e concentrar-se no perfil dos personagens. As análises serão sempre permeadas pela vertente do humanismo, que, segundo o Autor, é o que mais falta faz ao mundo em que violência e guerra acabam compondo o cenário tanto dos filmes como da realidade de inúmeros países, entre os quais o Brasil.

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