Quem curte a natureza, tão no centro das divergências político-ideológicas, pode tentar se envolver na trama. Para o público em geral, Felicidade para Principiantes é mera distração.
É costume se dizer (com razoável razão) que poucos filmes superam os livros que lhes deram origem. Este deve ser o caso de Felicidade para Principiantes, baseado no livro homônimo de Katherine Center, de 2015.
Chega-se a essa conclusão até por uma simples questão de lógica, uma vez que um livro que não faz sucesso não tem lá muita chance de ser aproveitado pela indústria cinematográfica.
Outra dedução coerente é que o chamariz para o público da Netflix é o título, em tempos sombrios em que tanta gente anda atrás de alcançar felicidade.
Felicidade para principiantes é mera distração em meio à natureza
A história gira em torno de Helen Carpenter (“Helen com H”, como repete a personagem), que está se divorciando e busca uma aventura na natureza, quase que como um recurso de autoajuda para, afinal, começar a compreender a si própria.
A exemplo do que já apontamos como clichê que se torna extremamente previsível em filmes do gênero, como Minha Culpa, Helen é surpreendida pela presença de Jake na reunião preparatória para a trilha pela natureza.
Sem nenhuma explicação que possa situar o espectador, Helen considera Jake o amigo mais irritante de seu irmão. E deixa claro que nem sequer irão se falar durante o passeio, com o que Jake concorda.
Pronto, está formado o casal, e não estamos cometendo spoiler. Porque, nas cenas seguintes, o que eles mais fazem é desprezar a existência dessa suposta rejeição e isolamento, para conversarem o tempo todo.
Num autêntico cenário de tempero romântico, ambos trocam experiência vividas, em conversas na noite em que todos estariam comprometidos em dormir para enfrentar a dura caminhada no dia seguinte.
Contraditoriamente, ninguém reclama do falatório entre Helen e Jake, os dois pseudoinimigos que, por não conseguirem pegar no sono, parecem dispostos a causar a mesma insônia nos demais participantes da jornada.
Os supostos inimigos são os que mais conversam
São essas inconsistências e incoerências no filme que incomodam, como é o caso da aparentemente atrapalhada Helen.
Ela se machuca ao tropeçar numa pedra e começa a sangrar, merecendo severa reprimenda do instrutor Beckett, que já havia alertado os participantes quanto aos cuidados que teriam que manter num ambiente sem garantia de socorro de emergência, no meio do mato.
Foi o próprio Beckett quem lhe dera uma bronca, também, quando ela, teimosamente, pisa num tronco que poderia estar podre e ceder.
O instrutor da caminhada adverte Helen a todo instante
Enquanto todos ultrapassaram o obstáculo da árvore tombada pulando o tronco, Helen resolve escalá-lo pisando desajeitadamente sobre ele e em seguida saltando para o chão.
Todos esses incidentes levam o instrutor a identificar em Helen uma trapalhona descuidada e, provavelmente, pouco esperta.
Apesar de todos esses incidentes, ela se mostra assaz esperta ao encontrar o caminho numa paisagem que lhe era desconhecida, quando Hugh, um resmunguento participante da caminhada, se acidenta seriamente e precisa de socorro, a ponto de ter que desistir da missão.
Aliás, Hugh não era o único lamuriento na jornada. E, aparentemente, o seu acidente foi a opção da direção para expulsá-lo de cena, já prevendo que, àquela altura, os espectadores já estariam cansados de suas lamúrias.
Havia também o reclamão Mason, queixando-se de tudo o que era preciso fazer ou deixar de fazer no percurso. Mas resistiu até o final, talvez mediante o recurso adotado em torná-lo mais afável.
Do elenco não se exige muito, pois todos se tornam simples coadjuvantes de uma história em que os destaques ficam para Helen, Jake e o instrutor Beckett.
A certa altura, Felicidade para Principiantes se assemelha mais a um mero passeio oferecido ao elenco em período de férias, tal a ausência de uma estrutura mais consistente que preenchesse o vazio de ideias ou novidades criativas.
Sem nenhum brilhantismo, Felicidade para Principiantes é mera distração que acaba frustrando quem passe a ter a expectativa de um grande final para a história, depois de percorrer, com os personagens, uma longa trilha com um ou outro diálogo que possa chamar a atenção.
Ou que, ao menos, leve a alguma reflexão no caso de pessoas que, como a própria Helen e seu, afinal, companheiro de aventuras, Jake, procurem um sentido na vida, diante de seus dramas íntimos e pessoais.
E, no caso de Jake, diante de uma perspectiva assustadora para o mal congênito de que padece. E que o atormenta – com razão – a ponto de ele desistir de um projeto profissional ao qual tentou se dedicar.
Felicidade para principiantes (Happiness for Beginners)
Roteiro e direção: Vicky Wight
Produção: EUA – 2023
No elenco:
Luke Grimes: Jake
Ellie Kemper: Helen
Blythe Danner: Gigi
Gus Birney: Kaylee
Ben Cook: Beckett
Esteban Benito: Mason
Nico Santos: Hugh
Alexander Koch: Duncan
Shayvawn Webster: Windy
Julia Shiplett: Sue
Aaron Roman Weiner: Mike
Mary Neely: Lulu
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