Todos sabem que um começo de filme com um sujeito insuportavelmente chato e mal-humorado precisa ter o compromisso de acabar bem. E isso foi conseguido, porque O Pior Vizinho do Mundo melhora no final.
A presença do veterano Tom Hanks (duas vezes premiado, em sua carreira, com o Oscar), no papel principal, e de Mariana Treviño, como a vizinha mais persistente, reforça a esperança de que o filme se aprofunde. E que emocione, o que acaba acontecendo.
Na verdade, o filme do catálogo da HBOmax é um remake.
A história é baseada no best-seller A Man Called Ove, de Fredrik Backman, que, além da versão americana para o cinema, teve também uma versão sueca, anterior à dos EUA.
Isso não chega a ser um problema, pois o roteirista e a direção se empenharam em fazer um trabalho que, no final das contas, teve pontos positivos.
Hanks é Otto, o vizinho rabugento e reclamão, que sempre tem mais o que fazer quando alguém se aproxima dele a qualquer pretexto.
Ele não vê sentido na vida porque sua esposa (Sonya) morreu. Ela era tudo na vida dele, e a vida dele sem ela – resume o próprio personagem – não é nada.
Por isso, ele se torna o Pior Vizinho do Mundo, que melhora no final.
Após a perda, a rotina de Otto passou a ser a de reclamar de tudo e de todos. E a ir ao cemitério conversar com a falecida, diante do túmulo com flores, que ele sempre leva.
Além de se tornar rabugento e, muitas vezes, grosseiro, Otto vive a miragem de que pode providenciar, por conta própria, o reencontro com a mulher falecida.
Surge aí um tema delicado na obra, quando Otto tenta (por mais de uma vez) tirar a própria vida.
Em um tempo em que isso acaba gerando o temor de que pessoas influenciáveis (e deprimidas) se sintam incentivadas a imitá-lo, a forma de amenizar esse dilema foi o fracasso de cada uma dessas tentativas.
Outro aspecto que pode incomodar são os seguidos e, às vezes, demorados flashbacks, quando Otto recorda os momentos que passou ao lado da amada esposa.
O ponto de mudança (que também demorou a acontecer, até que se chegasse ao desfecho comovente, que dá ao filme uma feição menos repetitiva) foi o convívio com o casal mexicano e suas duas filhas.
Aliás, conviver com o gato que aparece em sua garagem e com as crianças ainda pequenas serviu para gerar o lado cômico.
Entre os trechos que provocam risos, surge a cena em que a menina o chama soletrando o seu nome, repetindo a forma como ele se apresentou.
Para Otto, todos que o cercam são adultos imbecis, que não têm competência nem inteligência suficientes para cuidarem da própria vida.
Alguns dos personagens surgem caricatos, como o vizinho que se exercita diariamente pelas calçadas, de forma que seria vista como inusitada por qualquer academia de ginástica.
Ou o fato de quem se considera um motorista não conseguir, sequer, colocar um carro na vaga sem provocar prejuízo.
Aparentemente desnecessário foi o trecho em que Otto se estressa com um palhaço que tenta enganá-lo com uma brincadeira de adivinhação com moedas.
Se foi mais uma iniciativa para traçar o perfil mal-humorado de Otto, surge como um despropósito fora do tom num momento em que ninguém mais tinha qualquer dúvida quanto ao péssimo humor do protagonista.
O oposto desse despropósito está em todas as boas mensagens que o filme procura passar como recado claro de reação contra todo tipo de preconceito.
Racismo e aversão a imigrantes estão representados pela presença dos vizinhos mexicanos, sempre em dificuldades. E que, a todo momento, procuram agradar Otto.
Este, porém, reage em função de seu temperamento, mas não por preconceito.
Há também o caso de rejeição à homofobia, em que Otto reage à estupidez do pai que expulsa de casa o jovem transexual, que conseguiu se assumir, depois de enfrentar os típicos dissabores.
“Seu pai é um imbecil”, resume Otto, do alto de sua avançada idade.
É um bom exemplo a seguir numa época em que pretensos jovens se mostram mais conservadores, retrógrados e preconceituosos, tanto social como politicamente, do que aqueles a quem eles chamam de velhos.
Os dilemas da vida, como a incapacidade do ser humano de evitar perdas repentinas e, obviamente, indesejáveis e traumáticas, remetem a temas como solidariedade humana, convívio em sociedade e respeito à individualidade.
O aparentemente inesgotável mau humor de Otto, por sua vez, que é visto como herói numa estação de trem depois de salvar um homem que, inadvertidamente, está nos trilhos aos quais ele próprio queria se lançar, em sua obstinada loucura, oferece o contraponto diante da fragilidade da vida humana.
Muitas vezes sem a chance que Otto, com a significativa ajuda dos vizinhos, acaba conquistando, a ponto de deparar-se com uma nova visão que lhe permitiu, afinal, concluir o verdadeiro sentido de simplesmente viver.
Generoso, o pior vizinho do mundo melhora, no final, deixando boas lembranças…
Baseado no livro A Man Called Ove, de Fredrik Backman
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Magee
No elenco:
Tom Hanks: Otto
Mariana Treviño: Marisol
Rachel Keller: a esposa Sonya
Cameron Britton: Jimmy
Mike Birbiglia: agente imobiliário
Jon Osbeck: Amy Doctor
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