Há quem viva em sociedade e que, ainda assim, não consegue deixar de ser selvagem. São os falsos homens de bem, um eufemismo muito em voga para quem tenta fazer tudo escondido. Imagine se a pessoa vive solitária, como um ermitão. É o caso do personagem que interpreta o selvagem Sob a Pele do Lobo, mais uma produção da Espanha, de 2018, em exibição na Netflix.
O selvagem que quase não fala está Sob a Pele do Lobo o tempo todo. Faz muito barulho ao se alimentar, selvagemente, da mesma forma com que transforma a relação com a mulher, comprada do pai dela, numa sinfonia de urros e movimentos animalescos.
Não há prazer na relação, apenas o acasalamento para gerar um filho. Ou será uma cria?
Martinón, o selvagem, vive numa vila nas montanhas. Inicialmente, sozinho. Sua rotina se resume a caçar, a se alimentar com o produto da caça e a dormir.
Dependendo da estação, desce as montanhas para fazer negócio com o resultado do seu trabalho e obter moedas para suprir suas necessidades (poucas) pelo que ainda resta do ano.
Até que é questionado sobre sua própria solidão e resolve comprar a primeira mulher. Quem a vende é o próprio pai da moça, que o teria enganado (e de fato o enganou) e passa a ser alvo de ameaça.
Como já foi dito, o homem quase não fala. E a intenção do filme parece ser a de nos fazer lembrar de que, se não fossem as convenções sociais, as regras, as relações interpessoais, seríamos reduzidos ao que somos: um simples animal.
A própria definição de racional está sendo questionada: será que irracional é o animal que apenas mata para se alimentar e se defender, enquanto o racional é aquele que mata por vingança, por ciúme, por inveja ou por qualquer outro sentimento que os ditos irracionais não têm?
O personagem selvagem Sob a Pele do Lobo se assemelha ao animal irracional, que apenas mata para se alimentar; ou para se defender, quando o lobo que se aproxima o encara com o olhar ameaçador dos lobos.
Mas se torna selvagem, como os ditos racionais, quando ameaça com a arma quem o enganou.
Nosso compromisso é o de não fazer spoiler. E esse compromisso se cumpre fielmente quando apenas alertamos que o filme é com raríssimos diálogos, com ótima fotografia e que se propõe a um convite sobre a reflexão a respeito da natureza humana.
Os voos, mais altos do que os dos urubus que preveem as mortes, vão depender da disposição e da profundidade de pensamento de quem se propõe a essas reflexões.
Do contrário, o filme pode parecer totalmente sem sentido para quem encara cinema unicamente como diversão.
Roteiro e direção: Samu Fuentes. O solitário Martinón é interpretado por Mario Casas e a direção de fotografia é de Airtor Mantxola.
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