A grande vitória do diretor e roteirista do filme O Som do Silêncio foi a de, mediante exatamente os recursos sonoros que utilizou, nos fazer entrar no personagem. O Som do Silêncio nos ensurdece devido a essa habilidade demonstrada por Darius Marder, o autor da façanha.
A boa atuação do ator Riz Ahmed, interpretando o baterista Ruben, também merece ser destacada.
Mas o que faz – durante o filme – nos sentirmos temerosos de ficar surdos, aponta o desempenho da direção como um ponto chave da atração incluída no catálogo da Amazon Prime.
Obviamente, a função de cada um dos que atuam numa filmagem tem características muito próprias.
Mas é preciso notar que se torna difícil, mesmo para um bom diretor, conseguir bom desempenho de um mau ator.
Já um bom diretor pode obter de um bom ator mais ainda do que ele pode render. E foi o que ocorreu em O Som do Silêncio.
Essa é a combinação perfeita dos resultados do filme, ao contar a história do baterista Ruben, que não consegue aceitar a realidade de que está perdendo a audição.
O Som do Silêncio e da solidão ensurdece
O drama se estende a novas aflições, que vão surgindo paulatinamente, como o fato de o baterista ter que se afastar da banda e, em seguida, da namorada.
Surge a solidão, a revolta que se expressa em gritos e em socos na mesa, e o inconformismo de se ver em um ambiente que não agrada.
Ocorre que não seria o bastante oferecer ao espectador as cenas em que Ruben expressa todo esse seu inconformismo.
Surgem, então, os recursos sonoros utilizados em paralelo, exatamente, à circunstância em que a ausência de som é o ponto central.
O filme nos mostra, com precisão ensurdecedora, a forma como o personagem principal está ouvindo.
Ou, na verdade, está deixando de ouvir.
Confiando nos sinais para superar o som do silêncio
A aflição do personagem, a partir daí, estende-se ao espectador, o que leva O Som do Silêncio a nos ensurdecer.
É um tema bem atual e, na verdade, serve de alerta a todos os que, como Ruben, usam e abusam dos recursos sonoros de equipamentos modernos que podem nos ensurdecer.
E das drogas e alucinógenos, que terminam por potencializar os efeitos deletérios sobre o bem precioso da boa saúde.
Crianças e jovens hoje permanecem, por várias horas, presos a fones de ouvido, cujo som muitas vezes se torna perceptível até por quem apenas está próximo.
Também em festas e shows, quanto mais alto o som, mais a galera curte.
A dor da despedida
A forma, aparentemente repentina, com que Ruben começa a detectar que algo está acontecendo, nos leva a indagar o quanto todos nós estamos a nos esquecer da importância do som do silêncio nos momentos da vida em que fatos nos obrigam a refletir sobre a própria existência.
A propósito, a dupla Simon e Garfunkel (algo de que poucos devem se recordar) nos trouxe, há algumas décadas, essa reflexão com a canção cujo título coincide com o da versão da exibição do filme no Brasil: The Sound Of Silence. Com enorme sucesso, à época, da dupla de compositores, diga-se de passagem.
Não se pode ignorar, evidentemente, a importância da visão manifestada pelo mentor da comunidade que cuida dos deficientes auditivos, quando ressalta que a surdez não deve ser encarada como uma doença.
É uma advertência contra o preconceito, tantas vezes presente, em relação a deficiências de qualquer natureza, como o excesso de peso, as deficiências físicas e tantas outras, com as quais aqueles que as enfrentam acabam convivendo, ouvindo apelidos e chacotas ofensivas.
Poucos podem ter chegado a essas reflexões ao assistir ao filme O Som do Silêncio, numa época em que essas circunstâncias da vida servem, maliciosamente, para a prática do repulsivo bullying nas escolas.
A preciosidade do silêncio
Mais do que um filme, O Som do Silêncio nos ensurdece e passa a ser – portanto – uma advertência numa época em que se faz tanto barulho por coisas, tantas vezes, sem tanta importância.
E que levam inúmeras pessoas a se esquecerem da importância do Som do Silêncio para reflexões fundamentais sobre a própria existência.
Sintomaticamente, o mentor da comunidade lembra que perdeu a audição exatamente durante a guerra, o barulho mais ensurdecedor que ameaça a sobrevivência da dita Humanidade desde que ela existe.
Por todos esses motivos, que O Som do Silêncio nos ensine a ouvir melhor.
É a grande lição que, afinal, Ruben acabou aprendendo.
O Som do Silêncio (Sound of Metal)
Produção de 2020 (EUA e Bélgica)
Direção: Darius Marder
Roteiro: Darius Marder e Abraham Marder
Criadores: Derek Cianfrance e Darius Marder
Trilha sonora: Abraham Marder e Nicolas Becker
Parte do Elenco (na ordem das fotos):
Riz Ahmed (Ruben), Olivia Cooke (Lou), Paul Raci (Joe), Lauren Ridloff (Diane), Chris Perfetti (Harlan), Mathieu Amalric (Richard).
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