Não pode ser definido exatamente como paixão: está mais para obsessão. Mas, na verdade, o filme Pura Paixão é amor impossível.
Baseado no livro da escritora francesa Annie Ernaux, o filme do catálogo da Netflix deixa bem claro que a relação entre Hélène (Laetitia Dosch) e Aleksandr (Sergei Polunin) não cede espaço para o amor.
Ela é divorciada, tem um filho ainda pequeno e dá aulas de Literatura. Ele é casado e reside na Rússia.
Trabalha (pelo menos é o que ele diz à amante) como segurança a serviço do corpo diplomático e vai vê-la quando quer e quando sente vontade.
As cenas iniciais são, sempre, de relações sexuais tórridas e se repetem demasiadamente.
De início, parece que o filme vai se limitar a isso. Mas, aos poucos, começam a surgir curtos diálogos, sem nenhuma profundidade ou importância.
As afirmações de Hélène, dizendo que não cobra nada do amante, que não se importa de esperar por ele e que não liga para o fato de ficar em segundo plano, referindo-se à esposa do amante, são mentiras nas quais ela finge acreditar.
Esse não me importo é dito em voz alta ao amante, mas na verdade Hélène está, silenciosamente, dizendo a si mesma aquilo em que ela pretende acreditar.
As cenas – em algumas passagens, podendo ser classificadas como explícitas – dão o tom da própria impossibilidade do amor.
Obsessão de quem apenas finge que vai resistir
O russo se refere com frequência à própria esposa (algo impensável para quem quer conquistar alguém) e deixa evidente, com palavras e atitudes, que pretende apenas uma relação carnal.
Hélène, por sua vez, deixa transparecer sua dependência em relação ao amante, o que – obviamente – o deixa ainda mais à vontade para sentir-se dono da situação.
Ele a chama ao telefone. Ela vai, ainda que algo a impeça.
Numa tentativa pouco criativa de caracterizar divergências que podem surgir entre casais, as roteiristas ensaiam uma briguinha boba em torno da roupa que ela está vestindo.
O amante reclama que acha a roupa inconveniente e que não deseja que ela seja vista “como uma puta”.
Haja clichê, agravado pelo fato de nem ser uma roupa assim tão escandalosa.
E a amante, antes completamente submissa, ensaia uma reação pouco convincente de contestação à imposição dele para que não se vista de novo daquele jeito.
Pura Paixão é amor impossível reduzido a obsessão
Existem os diálogos que Hélène ensaia com a melhor amiga. Mas é tudo muito superficial e limitado a chavões que procuram caracterizar uma posição feminista em relação ao fato de Hélène se revelar tão obsessiva e dependente da relação.
Nas cenas em que a personagem amante perambula sozinha pelas ruas de Moscou, apenas para “sentir o ar” respirado pelo amante, o espectador mais sensível pode sentir até certa compaixão pelo olhar perdido de Hélène e pela sensação de solidão que ela deixa transparecer.
Pura Paixão não vai fazer falta para quem está familiarizado com filmes do gênero. A menos que esteja interessado em ver corpos nus em tórridas demonstrações de sexo sem disfarces.
Há ainda uma cena quase inconclusa com um psiquiatra, que Hélène resolve consultar, quando já não consegue mais trabalhar nem cuidar do filho.
Essa incapacidade gera uma explosão do ex-marido, a quem o garoto recorre por não aguentar mais o comportamento da mãe.
Pura Paixão é o amor impossível que sempre fica evidente quando paixão e obsessão se juntam numa explícita relação que, pelas circunstâncias, termina apenas em sofrimento para a parte mais submissa.
Embora, como já foi dito, seja um filme igual a tantos outros, poderia ter resultado numa caracterização melhor sobre como sair ou se livrar de situações desse tipo.
Mas nem mesmo o psiquiatra teve chance de se pronunciar, o que poderia servir – ao menos – como uma boa dica para quem, inadvertidamente, cai em armadilhas desse tipo.
Pura Paixão (Passion simple)
Origem: Bélgica e França
Protagonistas: Hélène (Laetitia Dosch) e Aleksandr (Sergei Polunin).
Roteiro e direção: Danielle Arbid.
Baseado no livro da escritora francesa Annie Ernaux (que participou do roteiro).
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