Com a série Recomeço, é impossível não se emocionar, diante de tantas mensagens que a minissérie com 8 capítulos, da Netflix, apresenta ao espectador, cansado de um gênero tachado de melodrama.
Se o rótulo serve para Recomeço, essa minissérie se revela como exemplo de como um drama pode ser retratado no cinema com elegância, sem velhos clichês e sem apelações melodramáticas.
Isso se deve ao roteiro bem construído, a uma ótima direção e ao magnífico desempenho da atriz norte-americana Zoë Saldaña, convincente em sua interpretação a cada momento da história.
De ascendência porto-riquenha e dominicana, a atriz e dançarina radicada nos Estados Unidos interpreta Amy, a jovem que decide passar uma curta temporada em Florença, na Itália, na tentativa de realizar seu sonho de tornar-se uma artista plástica.
Depois de chamar a atenção de muitos homens, Amy acaba iniciando um apaixonado relacionamento com Lino, o chef de um restaurante, nascido numa pequena comunidade na Sicília, e que se muda para Florença também em busca de seu sonho de tornar-se um profissional respeitado na gastronomia.
Baseado em uma história real
A série da Netflix é baseada em um livro de sucesso da escritora Tembi Locke (From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home. Em tradução livre: Do zero: um livro de memórias sobre o amor, a Sicília e como encontrar um lar). É o relato de sua história de amor também com um italiano, o também chef de cozinha Saro Gullo.
Com personagens bem construídos, a minissérie inclui, sem apelação e sem exageros desnecessários, e com boa dose de humor, os vários perfis humanos com os quais todos convivemos no dia a dia.
Há os pais que teimam em impor as escolhas profissionais e até os sonhos dos filhos. Há a mãe de língua afiada que causa constrangimento. Há o preconceito, o racismo, o choque cultural entre as metrópoles e as pequenas cidades do interior, onde os moradores se aglomeram diante de qualquer novidade ou presença desconhecida.
Amy é de família negra e sua mãe quer netos “marronzinhos”, segundo sua expressão, razão pela qual não absorve, de início, o relacionamento da filha com um italiano branco.
Na pequena cidade interiorana onde Lino nasceu, uma moradora comenta, quando vê Amy passar: “Ela é escura, mas é bonita”.
A reação inicial do pai de Amy também é de insistir para que a filha faça o curso de Direito numa grande universidade, enquanto ela acalenta o sonho de se tornar uma pintora, daí sua decisão de ir para Florença.
O apaixonado Lino enfrenta drama pior. O pai deixa de considerá-lo como um filho desde quando ele “abandonou tudo”, saindo de sua cidade natal e se afastando da família e dos seus amigos de infância.
Giacomo, o pai, lhe causa o maior desgosto ao negar-se a ir ao casamento de Lino e, mais do que isso, ao impedir que sua mulher, Filomena, também compareça à cerimônia na cidade onde o filho decidiu dar andamento à busca do seu sonho como chef de um grande restaurante.
Recomeço: é impossível não se emocionar
Uma simples sinopse nem de longe pode traduzir a riqueza dramática da série, sobretudo quando é sempre tão importante evitar-se o spoiler, a todo custo.
Especialmente porque a carga dramática da série está nos acontecimentos que se sucedem a partir de momentos específicos e do que já vem sendo revelado abertamente pelos críticos em relação à doença de Lino e sua luta contra um câncer.
É preciso assistir a cada capítulo para constatar o quanto a atriz Zoe transforma em realidade cada choro, cada desespero e cada riso, parecendo que ela está vivendo a dramaticidade de cada uma das passagens da história, em vez de interpretá-las.
O elenco todo desempenha, também de forma competente, todos os papéis. E impressiona a atuação da atriz mirim que interpreta a filha adotiva do casal, dando um toque inconfundível de realismo cada vez que ela fala, reclama de alguma coisa ou chora.
A propósito, acontece aí uma das inúmeras lições do drama. Quando fica constatado que Lino, devido à sua doença, não tem mais condições de gerar um filho e Amy se vê diante do dilema de recorrer a uma inseminação artificial, Lino deixa a decisão com ela, que então resolve adotar uma criança.
Lino agradece, sensibilizado, a decisão dela, que rejeita a possibilidade de um filho sem poder contar com o sêmen do marido. E ele resume: “Família é mais do que sangue”.
Entre as passagens comoventes está a que retrata a maneira como ele se relaciona, de forma extremamente carinhosa, com a filha adotiva, a ponto de provocar ciúmes em Amy, que passa a sentir que a filha é mais próxima do pai do que dela própria.
Isso acaba se resolvendo no decorrer da história, com ambos dedicando um profundo amor pela filha que eles adotaram.
E por falar em amor: Recomeço dá a verdadeira dimensão dessa palavra, tão rara num mundo de hoje, em que as relações humanas parecem distantes e os conflitos de relacionamento se tornam cada vez mais presentes.
Esse amor, sem pieguismo ou qualquer nuance de falsidade, fica evidente não apenas na relação do casal, como também no amor pela filha adotiva.
E passa a se tornar mais presente na relação também entre os familiares e amigos do casal, diante da doença de Lino e de todos os acontecimentos que surgem em razão dessa realidade que tem que ser enfrentada por todos.
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