Pode parecer que cometemos um erro primário de concordância. Mas, não. Coloque o termo filme subentendido na frase para compreender que o que dissemos é que o filme As Leis da Fronteira não é igual aos outros cuja temática é semelhante.
Também pode parecer que essa é uma conclusão primária ou superficial, mas também não é.
Ao contrário disso, pode ser de fundamental importância para que você continue assistindo ao filme até o final.
Isto porque, praticamente até a metade do enredo, pode parecer que As Leis da Fronteira é mais um daqueles filmes que se resume a mostrar até onde os jovens são levados à marginalidade por não serem compreendidos ou quando se veem sem oportunidades na vida.
Sentar-se para almoçar é uma rotina enfadonha para o personagem principal, com a irmã a provocá-lo o tempo todo, a mãe preocupada com tudo e um pai burocrata e moralista impondo regras.
Além disso, o adolescente sofre bullying o tempo inteiro, com colegas da escola insuportáveis a persegui-lo e a agredi-lo.
Seria mais um filme como a série Entrevias, que é muito longo (por ser uma série) e acaba dizendo menos?
O filme As Leis da Fronteira diz muito mais. E, com mais sensibilidade, tempero nostálgico e ótima atuação do personagem principal, torna mais profunda a reflexão quanto a uma realidade que muita gente quer negar: o quanto o caminho para a marginalidade é muito mais complexo do que o pensamento reacionário deseja nos impor.
O ano é 1978. O adolescente Nacho (Marcos Ruiz) está cansado de levar socos e tapas no rosto, e da rotina dentro de casa, até que encontra uma nova turma.
Mais do que isso, acaba encontrando também aquela que poderia ter sido o maior amor da sua vida, uma ilusão que o tempo desfaz de forma cruel.
E restam os pensamentos nostálgicos para dar a exata dimensão de como uma pessoa pode não se sentir feliz depois de tudo o que aconteceu.
São impecáveis as expressões faciais do ator Marcos Ruiz, quando ele começa a se sentir muito esperto, como se fosse tão esperto quanto lhe parecem os companheiros que vivem na marginalidade.
E cuja aparente e ilusória esperteza e liberdade acaba se transformando em tragédia.
O garoto Nacho, mesmo titubeante diante dos riscos que terá que enfrentar, entra de cabeça nos roubos e assaltos, que vão se tornando mais sérios e arriscados.
A delinquência passa a ser o ideal de vida para o menino solitário, que agora tem sua turma e se apaixona, timidamente, por Terê, que faz parte do bando.
O cinema espanhol comprova, em mais um lançamento da Netflix, que está apto a não cair no rápido e superficial mais do mesmo de algumas produções.
Até mesmo de algumas produções hollywoodianas, que apelam para roteiros esgotados.
E roteiros com muitas aparentes soluções, que Hollywood oferece ao imenso público que conseguiu cativar ao longo de décadas.
Aliás, por falar em Hollywood, mesmo nas cenas das velocíssimas e aloucadas perseguições entre carros, com manobras inacreditáveis, a direção se saiu razoavelmente bem.
Um aspecto importante do filme é a postura que passa a ser adotada pelo pai burocrático e aparentemente repressor, que encontra uma saída para dar chance ao filho de percorrer novos caminhos e encontrar um rumo na vida.
Por mais que, diga-se, esses caminhos (e isso também faz parte da boa desenvoltura dos roteiristas) levem o próprio Nacho ao pensamento nostálgico do sofrimento pela felicidade que não se concretizou.
As Leis da Fronteira se passa no verão de 1978, em Girona, na Espanha.
E não deixe de assisti-lo integralmente. Verá que o filme As Leis da Fronteira não é igual aos outros.
E tem muito mais a dizer do que as cenas iniciais, quando pode deixar transparecer que não vai dizer tanto.
Direção: Daniel Monzón. Roteiro: Jorge Guerricaechevarria e Daniel Monzón. Título original: Las Leyes de la frontera. Procedência: Espanha.
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