Todos, certamente, estão conscientes de que cinema não é só diversão ou distração. O lado mais relevante, no entanto, surge quando se constata que a cinematografia retrata a relutância da dita humanidade em evoluir. Era Uma Vez Em Nova York, sonho e pesadelo de imigrantes, é mais um bom exemplo desse inestimável papel exercido pelo cinema.
A humanidade que resiste em se humanizar está no filme
O que a tal da humanidade parece disposta a fazer, no máximo, é mudar seu estilo e aperfeiçoar seus disfarces e truques para o cometimento de crueldades e de desonestidades, em seus mais diversos ramos de atividade, e nas atitudes com alto grau de indignidades inacreditáveis.
Com um título em Português que lembra os textos de histórias infantis, Era Uma Vez Em Nova York, obviamente, não tem nada de inocente. Seu título original, The Immigrant, embora menos atrativo comercialmente, retrata (de forma simples) a trama escrita por Richard Menello e James Gray, que também assina a direção.
Era Uma Vez Em Nova York é o sonho e o pesadelo de imigrantes
Ambientado em 1921, o filme retrata uma ameaçadora cidade em que as mulheres ouvem gracejos abertamente pornográficos, especialmente quando caem nas mãos de cafetões.
Sem terem como sobreviver, acabam se dobrando à prostituição como única forma de continuarem correndo atrás da pretendida realização do sonho americano, transformado em pesadelo.
Bruno é o explorador de mulheres em Era Uma Vez em Nova York, o sonho que vira pesadelo
Era Uma Vez Em Nova York mostra a recatada polonesa Ewa tendo que aceitar, como única alternativa, as imposições do cafetão Bruno, que age se fingindo de acolhedor e prestativo, mas logo deixa claro a que veio.
Bruno (foto acima) dirige um teatro de apresentações inusitadas, com mágicos, dançarinas em trajes sumários, um ilusionista e até um tenor, entre outras atrações que agitam a plateia.
Ewa vê seu sonho virar pesadelo em Era Uma Vez em Nova York
Ewa enfrenta, logo ao chegar, seu primeiro drama, que ela encara como uma verdadeira tragédia: separar-se da irmã, detida pelas autoridades sob a suspeita de estar contaminada por doença infecciosa.
Separar mães e pais dos filhos, além de irmãos, primos ou qualquer pessoa ligada por laços de parentesco ou sincera amizade, é um drama gigantesco que persiste até hoje.
E cuja selvageria vem ganhando dimensão ainda maior, com crianças muito pequenas (até mesmo bebês) sendo afastadas dos seus pais, sem nenhuma perspectiva ou esperança de reencontrá-los, pois nem sequer sabem para onde eles irão.
Recentemente, uma monstruosidade ainda maior foi denunciada pelos meios de comunicação: a polícia da fronteira entre México e Estados Unidos sendo orientada a jogar as crianças no rio.
São os mesmos autodenominados cristãos, que fazem passeatas contra o aborto, mas que matam crianças afogadas, num extremo de hipocrisia e crueldade que comprova o que dissemos de início: a total indisposição da chamada humanidade em evoluir para algo melhor e menos trágico do que essa crueldade inominável.
Ewa está no centro do drama mas recebe ofertas de ajuda
A jovem Ewa se vê separada da irmã Magda, sem ter noção sequer do exato acolhimento que Magda teria para livrar-se da infecção que poderia contaminar os americanos, segundo determinam os policiais na triagem logo à chegada dos imigrantes.
Com suas feições expressivas, destacadamente tímida e atraente, Ewa acaba chamando a atenção de Emil, primo de Bruno. Mas Bruno não suporta a proximidade entre os dois, o que se transforma num triângulo tendente aos piores desfechos.
Muito ao contrário de filmes rústicos, de baixa verba de produção, como A Fronteira (Gabriela Tagliavini), Era Uma Vez Em Nova York é construído mediante uma narrativa mais sofisticada, embora o ritmo, razoavelmente lento, possa desagradar parte do público.
Opções surpreendentes em Era Uma Vez em Nova York
Os diálogos se resumem ao essencial, com destaque para a própria Ewa, que fala muito pouco e que tenta se livrar de algumas situações com gestos que acabam se revelando ineficazes.
Além de todas as dificuldades que enfrenta, ao chegar a uma Nova York sombria e nada acolhedora, Ewa toma a decisão, irrenunciável, de jamais sair da cidade antes de libertar a irmã do centro médico para onde fora levada para tentar se recuperar da infecção. E, assim mesmo, com a perspectiva de ser deportada, ainda que fique curada.
O filme mostra a cidade de Nova York em 1921
Dominada também por uma religiosidade severa, Ewa acaba se sentindo culpada até pelos dramas e injustiças que teve que enfrentar, que ela vê como um “castigo de Deus” por pecados que podem “condená-la, irremediavelmente, ao inferno”.
Quem quer conhecer a realidade de uma Nova York dos anos 1920, sem grandes malabarismos cinematográficos e sem diálogos sofisticados, mas que traduzem os dramas vivenciados por todos os personagens, tem no filme Era Uma Vez Em Nova York uma boa oportunidade.
Era Uma Vez Em Nova York (The immigrant)
Direção: James Gray
Roteiro: James Gray e Richard Menello
No elenco:
Marion Cotillard: Ewa Cybulski
Joaquim Phoenix: Bruno Weiss
Jeremy Renner: Emil
Dagmara Dominczyk: Belva
Angela Sarafyan: Magda Cybulski
Al Linea: Bistricky Cop
Antoni Corone: Thomas MacNally
Jelena Jakowlewna: Rosie Hertz
Ilia Volok: Voytek
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