Plataformas de streaming têm aberto a porta a novos caminhos, com literatura e produções de países que estavam fora do radar. Mas, será que literatura e independentes garantem futuro do streaming?
Estas e outras perguntas permanecem no ar, entre as quais a expectativa em torno de produções como Cem Anos de Solidão.
Gabriel Garcia Márquez, o autor de sucesso com obras literárias que lhe garantiram o Prêmio Nobel, duvidava da capacidade de o cinema traduzir toda a riqueza de sua obra.
Literatura e cinema têm linguagens completamente diferentes, mas livros são aproveitados pelo cinema. E isso não é de hoje. Agora, está sendo, com frequência, colocado à prova pela Netflix. Será que vai dar certo?
Público diferente do cinema tradicional?
Episódio recente parece comprovar que as plataformas de streaming possuem consumidores diferentes daqueles que saem de casa para ir ao cinema.
Um dos casos, que parece sinalizar essa diferença, é o filme Deixe-o Partir, estrelado por Kevin Costner, que inclui Diane Lane no elenco.
Considerado um western em estilo moderno, o filme obteve bilheteria muito abaixo das expectativas nas salas de cinema.
No entanto, tem despertado grande interesse na plataforma Prime Vídeo, o que vem animando os produtores do filme.
É lógico que casos como esse, dependendo dos resultados, ainda não respondem quais os caminhos seguros para o streaming.
Mas podem sinalizar quais são as boas alternativas para o presente e o futuro das plataformas.
O cinema se expande. E a qualidade?
O ponto altamente positivo das plataformas de streaming é o de abrir a porta para as chamadas produções independentes, que sempre tiveram pouca chance em âmbito internacional.
Surge agora, com mais audiência, o cinema alternativo às produções hollywoodianas, que sempre dominaram o mercado.
Despontam os sucessos de países como a Coreia do Sul e o México, além de produções de países árabes, entre outros.
A grande questão é a qualidade. Isto porque, paralelamente às novidades, Hollywood começa a dar sinais evidentes de esgotamento.
Muitas produções hollywoodianas apresentam o chamado mais do mesmo, porque já são tantas as histórias contadas e recontadas que parece difícil criar algo novo.
A literatura entra na história
Aparentemente para escapar desse cenário de esgotamento, a Netflix começa a produzir séries baseadas em livros de autores famosos, como Gabriel Garcia Márquez.
O mais recente lançamento, amplamente noticiado, é Cem Anos de Solidão, que sucede Ninguém Escreve ao Coronel.
Até o momento em que publicamos este artigo, o novo lançamento não teve ainda sua popularidade devidamente testada.
É impossível ignorar a qualidade da obra literária de Garcia Márquez.
Porém, como ele mesmo questionava, seria a sua literatura adaptável para o cinema?
Brasileiro gosta de novelas no cinema?
A mesma pergunta que se faz é: novela para a TV é adaptável para o cinema?
As novelas televisivas, que sucederam as que eram apresentadas no rádio (chamadas de radionovelas), sempre fizeram sucesso na TV.
O streaming, que se insere nesse novo período de transição do mundo, não deixa de ser uma mistura de cinema e TV, pois as pessoas, por assim dizer, não precisam mais sair de casa para ir ao cinema.
Mas surge, mais uma vez, a questão da linguagem cinematográfica frente à linguagem televisiva.
Cinema novelesco vai dar certo?
Já comparamos, neste nosso site, a série Between Lands à linguagem das novelas televisivas.
A propósito, a própria Netflix faz essa alusão, ao usar a expressão gostinho de novela para anunciar a série em questão.
Há, porém, uma característica a ser notada: o tom novelesco de Between Lands, adaptado à linguagem cinematográfica, se assemelha, no conteúdo, às novelas brasileiras.
São histórias de amor entrelaçadas por conflitos e disputas, em meio a questões sociais envolvendo toda a trama.
Cem Anos de Solidão, romance que também é identificado (inclusive pelos críticos) como uma novela de GG Márquez, é completamente diferente disso.
Obviamente, existem casos de amor retratados na longa história, porém mesclados com ingredientes diversificados dentro do estilo de realismo mágico bem característico da obra de Garcia Márquez.
Além disso, o andamento é notadamente lento, o que foge à agilidade e destreza das novelas televisivas que fizeram sucesso.
O dilema de Garcia Márquez e o futuro do streaming
Diríamos, sem medo de errar, que Cem Anos de Solidão, em sua adaptação para o cinema, é completamente diferente do estilo adotado por autores de novelas brasileiros.
Mesmo em forma de romance, possui um andamento pleno de complexidades que desafiam a memória dos leitores.
O imenso número de personagens e situações, inimagináveis fora da ambientação da literatura mágica de Garcia Márquez, não encontra paralelo, pelo menos nessa dimensão, com qualquer novela brasileira ao longo da história.
Mesmo novelas que se destacaram pelo estilo mais audacioso e original, como foi o caso de O Bem-Amado, de Dias Gomes, tinham um andamento completamente diferente da série baseada em Cem Anos de Solidão.
O Bem-Amado, dirigida por Régis Cardoso (que foi resgatada para o streaming), foi a primeira novela a cores da televisão brasileira.
E deu início à trajetória vitoriosa da rede Globo no exterior, com a exportação de novelas até para países como a Rússia.
Foi exibida em 1973 e deu grande visibilidade ao seu elenco, com Paulo Gracindo e Lima Duarte, além da beleza estonteante de Sandra Bréa, tristemente vitimada pelo vírus da AIDS e falecida em 2000 com câncer de pulmão.
Novelas mais ágeis e cômicas
Baseada na peça teatral Odorico, o Bem-Amado, escrita pelo mesmo Dias Gomes, a novela foi exibida em plena ditadura militar e contava a história de Odorico Paraguaçu, um prefeito demagogo e corrupto.
Mal comparando, a Macondo para O Bem-Amado corresponde à cidade fictícia de Sucupira, cuja população era sempre enganada pelos discursos enigmáticos do prefeito Odorico Paraguaçu.
A exemplo de Macondo, que permaneceu sem nenhum morto durante muito tempo, em Sucupira ninguém morria, o que frustrava a pretensão do prefeito Odorico em inaugurar o cemitério que ele construíra na cidade.
Quem se lembra de O Bem-Amado haverá de concordar que há um enredo mágico bem construído, devido ao desenvolvimento de toda a trama, porém recheado por passagens cômicas.
Conforme já frisamos, a novela de autoria de Dias Gomes tinhas lá, também, a sua mágica, mas com um ritmo mais ágil e conteúdo mais cômico, em várias de suas passagens.
Cem Anos de Solidão remete mais a reflexões e o ritmo não possui a agilidade própria de O Bem-Amado e de outras novelas brasileiras.
Ritmo de Macondo e cinema independente garantem futuro do streaming?
Ainda é cedo para prever se a história de Macondo conquistará sucesso a ponto de figurar no top dos lançamentos da Netflix.
Por enquanto, o que mais se vê são vídeos e reportagens elogiosas ao livro e ao histórico vitorioso de Gabriel Garcia Márquez, prêmio Nobel de Literatura de 1982.
Cem Anos de Solidão, obviamente, não é a única série baseada em literatura de sucesso.
Vários outros roteiros cinematográficos apoiam sua aposta de sucesso a partir da adaptação de livros igualmente bem aceitos.
E o chamado cinema independente também apresenta, vez por outra, ritmo lento de narrativa, como é o caso de Retorno a Seul, uma história de abandono e solidão.
Só o tempo dirá se esses e outros nichos escolhidos pela Netflix têm um futuro promissor.
Ou será necessário buscar novas alternativas para que o streaming, sem apresentar filmes de sucesso de diretores com brilhante histórico, precisará encontrar novos caminhos para evitar o esgotamento de boas opções?
Nossa modesta previsão é a de que o brilhante, mas intrincado roteiro de Cem Anos de Solidão, tem que aproveitar as reações do público para moldar o andamento da segunda parte, já anunciada.
A séria está programada para 16 episódios no total, mas a segunda parte ainda não tem previsão de estreia, até a presente data.
Será que dá tempo de esperar as reações à primeira parte e se adequar ao que o público quer assistir?
Pode ser um raciocínio de natureza por demais comercial.
Mas a realidade é que um filme (ou uma série de streaming) somente continua sendo exibido a partir do sucesso que fizer, evidentemente.
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