Devido às cenas calientes que se repetem com frequência, até mais da metade das quase duas horas de duração, O Amante parece só um filme erótico. Mas vai muito além disso.
Ele reflete o drama de uma família pobre, os conflitos entre irmãos e a rebeldia de uma jovem de pouco mais de 15 anos.
Isso e muito mais, numa época em que, em algumas culturas e para algumas pessoas, o dinheiro já era visto como mais importante do que o amor.
A jovem admite que não ama o chinês. E que os encontros são por dinheiro.
O chinês diz que ama a jovem. Mas com ela não pode se casar, porque o pai o prometeu em casamento com uma mulher rica.
Ele não pode se rebelar contra o pai diante da prática dos casamentos arranjados, “com uma mulher que eu nem conheço”. E diz que nem sequer a viu.
Mas não pode escapar daquele compromisso assumido pelo pai, porque é do dinheiro do pai que ele depende para não trabalhar.
E para continuar levando sua vida como viajante que adora Paris, as diversões e as aventuras com as mulheres.
O filme é baseado no romance com o mesmo título, de autoria de Marguerite Duras, lançado em 1984.
Na literatura ele se aprofunda. E no cinema, de início, O Amante parece só um filme erótico. Mas é sensível e tocante na narrativa.
A história se passa em 1929 e retrata os conflitos familiares, o amadurecimento, a pobreza extrema, o preconceito de classes e o sofrimento, que levam a menina francesa a procurar a aventura com o chinês rico.
Ela o vê passar “no carro grande”, com o motorista, que é um dos criados do chinês. E ele começa a buscá-la na escola.
Do primeiro encontro às relações apaixonadas
O primeiro encontro acontece na balsa que atravessa o rio, quando ela se dirigia a Saigon.
Ele a vê de dentro do carro, que também está na balsa. E se aproxima para lhe oferecer cigarro, a pretexto de começar uma conversa.
Duas coisas impressionam o chinês: a beleza da jovem, provocantemente debruçada sobre o parapeito da balsa. E o chapéu de homem, que ela sempre usa.
Em seguida, depois de elogiar a beleza da menina e o curioso fato de ela usar aquele chapéu, diz que pode levá-la de carro até Saigon.
E ali mesmo, no carro, começa a se insinuar e a acariciar as mãos dela, que retribui.
Ele a deixa no internato e, a partir de então, não resiste. Vai atrás dela, que se insinua ao vê-lo no automóvel luxuoso dos ricos como ele.
Num feriado, vai buscá-la e a leva à tarde a seu quarto, onde a possui pela primeira vez, depois que ela mesma se oferece.
De início, ele ainda sente medo, dizendo que ela é muito jovem. E que não pode prosseguir.
Mas é ela quem, de novo, se oferece. E o provoca, com carícias ousadas.
A partir daí, dão início às tórridas relações. Que se repetem sucessivas vezes.
O Amante não é apenas um filme erótico
Apesar da pouca idade, a jovem demonstra rebeldia e audácia no comportamento e nas conversas. Mas admite que costuma sentir tristeza.
Ama o irmão mais novo, que é maltratado pelo irmão mais velho e tem medo dele.
Ela também tem medo, porque o irmão mais velho é violento e arrogante. Mas consegue enfrentá-lo dizendo, irritada, que deseja que ele morra.
Incluído no catálogo da HBOmax, O Amante tem momentos eróticos, mas não se resume a isso.
A narrativa em off revela uma parte do dilema vivido pela jovem e pela mulher que alterna passado, presente e futuro de si mesma.
“… Desde muito cedo na minha vida já era tarde demais. Aos dezoito anos, já era tarde demais. Aos dezoito, eu envelheci. O envelhecimento foi brutal. Eu vi esse envelhecimento se espalhar por minhas feições…”
A jovem ama e ao mesmo tempo sente mágoa da mãe pelo fato de ela proteger o filho mais velho, o algoz que a maltrata, e que faz o irmão mais novo chorar de medo
E ainda: que rouba o dinheiro da própria mãe, paupérrima, para comprar o ópio do qual ele é dependente.
O Amante, muito mais do que um filme erótico, mostra a realidade de uma época, os conflitos familiares e sociais, os estranhos costumes chineses.
E, ao final, resume o que a jovem começa a compreender muito tardiamente.
Mas aí, caro leitor, cara leitora, vocês têm que assistir.
Porque esse final eu não vou contar. Obviamente.
Mas não pule para o final. Não vale a pena. Vai perder a graça.
Veja o filme inteiro para captar tudo o que ele pode lhe mostrar, muito além do erotismo.
O Amante (L’amant/The Lover) é uma produção lançada em 1992, reunindo França, Reino Unido e Vietnã.
Diretor: Jean-Jacques Annaud
Narração (voz em off): Jeanne Moreau
A jovem: Jane March
Chinês: Tony Ka Fai Leung
Mãe da jovem: Frédérique Meininger
Irmão mais velho: Arnaud Giovaninetti
Irmão mais novo: Melvil Poupaud
Pai do chinês: Xiem Mang
Curiosidade: a atriz Jane March é modelo e, embora interprete uma menina de pouco mais de 15 anos, ela estava com 19 quando fez o filme.
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