O filme em cartaz na Netflix não precisou fazer discurso, em que pese o seu óbvio enfoque social. O roteiro e a direção conseguiram um equilíbrio harmonioso entre O Último Vagão e a emoção, ao relatar a história que todos nós conhecemos do que acontece nos países onde as comunidades pobres estão na dependência daquilo que decidem os poderosos.
A história se passa em uma comunidade humilde e abandonada à própria sorte, no México, onde se anuncia que a estrada de ferro dará lugar ao progresso, o que na verdade não é nada disso.
Os protagonistas, muito sabiamente, estão representados na figura dos meninos Ikal, Tuerto, Chico e a inteligente e curiosa Valéria, uma menina simpática cuja maior qualidade é saber falar coisas interessantes e de forma cativante.
O possível discurso político está no próprio desenrolar da história, que se explica por si só, a partir da realidade vivida pela comunidade, que não tem como deixar de ser percebida como o cenário central.
A meninada causa emoção com ótimas atuações
Ikal, franzino e analfabeto, vive com o pai, que luta para sustentar a família, e a mãe, que luta para manter a saúde, devido a problemas respiratórios.
Surge, então, a figura da professora Georgina, que convence os pais de Ikal de que ele tem que aprender a ler.
É um dos momentos, entre tantos, em que o último vagão e a emoção se juntam no filme.
A professora dá aulas exatamente dentro de um velho vagão de trem abandonado, onde se dedica aos meninos comportando-se com um misto de dedicação, pretendida rigidez em seu papel de mestra e, ao mesmo tempo, de sentimento de carinho pelos alunos.
Ela cobra de Ikal que se dedique a estudar para aprender a ler. E a leveza do filme se revela nos diálogos, que se tornam engraçados, apesar da nítida condição de abandono da comunidade pobre.
A um certo momento, a professora revela sua condição de mulher solitária, que perdeu os parentes mais próximos, e de sua certeza de que ficará cega, com o passar dos anos, porque sofre de catarata.
É quando o menino pergunta se ela tem “água nos olhos”, quando então a professora explica que a doença não é a catarata com a qual o aluno se confundiu.
A professora Georgina leciona no último vagão, transformado em escola
Ikal gosta de se divertir com os amigos e se apega a um cãozinho pelo qual sente tanto companheirismo que o transforma quase que em mais um personagem da história.
Como em toda comunidade carente, a ida ao circo é o auge da diversão, ainda que diante de apresentações bem modestas de palhaços e demais artistas circenses, todos se empenhando ao máximo para que os meninos pobres se divirtam.
O Último Vagão deve ser assistido pelos pais junto com os filhos
O Último Vagão é um filme para ser visto pelos pais em companhia dos filhos pequenos.
E não se deixe iludir pela recomendação para maiores de 12 anos. Crianças abaixo dessa idade podem assistir sem problema algum.
É didático sem ser discursivo, emocionante sem ser lacrimejante, e eficaz em mostrar às crianças que não enfrentam a mesma realidade, que a pobreza, ao contrário do que as classes abastadas costumam apregoar, não é exatamente uma decorrência da falta de esforço de quem a vivencia, mas sim de todo um sistema que se empenha em perpetuá-la.
O Último Vagão (El Último Vagón)
Produção: México, 2022
Roteiro: Javier Peñalosa
Direção: Ernesto Contreras
No elenco:
Adriana Barraza: Professora Georgina
Guillermo Villegas
Fátima Molina: Valeria
Blanca Guerra: La Maga Etérea
Tete Espinoza: Lucero
Clementina Guadarrama
Adrián Vázquez: El Licenciado
Jero Medina: Tomás
Gabriela Cartol: Mirna
Leonardo Alonso: El Capataz
Kaarlo Isaacs: Ikal
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